Aprendendo sobre o mercado de trabalho | Emprego no Canadá

Oi gente, recentemente estive conversando e lendo depoimentos e opiniões sobre diversos aspectos da adaptação em países no exterior e me empolguei em escrever um pouco da minha opinião sobre o mercado de trabalho no Canadá.

Veja bem, talvez eu me baseie um pouco mais na minha área, arquitetura, mas esse post tem o objetivo de abranger uma visão geral e do que eu vejo das diferenças de trabalhar aqui x trabalhar no Brasil (pq foi o único lugar que eu já trabalhei, fora aqui).
Nem vou entrar em detalhes de vistos e afins, partindo do princípio que se a pessoa está interessada em trabalhar no Canadá ou já está aqui legalmente para fazer isso, já está por dentro dos trâmites legais para chegar à esse ponto:
Job search in Canada

EXPERIÊNCIAS X QUALIFICAÇÕES

Uma das coisas que realmente me chamaram a atenção desde nosso começo aqui em 2007, foi o fato de nunca terem me pedido (isso em entrevistas de emprego em potenciais empregadores) meu diploma ou qualquer prova de que eu realmente tinha me formado em arquitetura. Aliás, nem queriam saber como foi meu curso, o que eu estudei e muito menos onde eu me formei (claro que eu citei que não tinha sido no Canadá).
Eles focaram mesmo nas minhas experiências de trabalho, como eu tinha lidado com problemas e quais soluções tinha abordado e na forma como expliquei todos esses fatos e detalhes para eles. E devo dizer que no meu caso, a maioria não era sobre como eu projetei tal coisa e sim, como fiz aquelas idéias (quanto loucas elas fossem) virarem realidade, de forma eficiente e dentro do esperado.
Diego também, na área de informática, nunca foi pedido para mostrar prova da graduação ou certificado de MBA, mas sim, diversos exemplos de projetos onde trabalhou, as terminologias corretas de tecnologias e plataformas que utilizou e claro, o conhecimento no que a vaga em questão pedia.
Então em resumo, no nosso caso, a experiência valeu mais que a graduação, na hora das entrevistas de emprego.
Porém, vamos deixar claro que você vai sim ter que provar tanto sua graduação e experiência para o processo de imigração, mas depois desta etapa concluída, o foco na busca por emprego nos pareceu outro.

FLUÊNCIA NA LÍNGUA

O quesito acima me traz à esse segundo tópico: a fluência. Porque é difícil você provar sua experiência e conhecimento em algo, sendo que em 90% dos casos você vai precisar descrever situações, detalhes, tocar em terminologias e procedimentos especifícos da sua área – VERBALMENTE, sem saber se comunicar bem ou ter um nível apropriado para a vaga que você pretende exercer.
Muitas entrevistas podem, sim, começar por email e pra muita gente, escrever é bem mais fácil que falar (e escutar), mas mais cedo ou mais tarde, você vai precisar falar, sendo talvez primeiro por telefone e depois pessoalmente.
E eu saliento a questão da fluência porque vejo que muita gente tem a mania (involuntária, talvez) de auto-determinar um nível bem mais elevado de fluência do que realmente tem na prática.
Talvez seja pelos diversos shows/filmes na televisão e realmente a globalização como um todo, mas inglês de turismo é muito diferente do inglês do mercado de trabalho/entrevistas, onde você deve saber expressar corretamente e de maneira eficaz, seus conhecimentos e experiências, em jargões específicos da sua profissão praticados no Canadá.
Para algumas profissões é mais fácil, digamos assim, a área de informática, por exemplo, já usa muitos termos em inglês, mas na área de arquitetura você não vai falar que aquele ambiente que tinha o pé-direito de 2,70m = the right foot was 2.7m (quando certo seria: floor to ceiling height was about 8’6″).
Resumindo, não super-estime seu nível, estude termos e expressões na sua área e treine com alguém que fale melhor e mais rápido que você.
Ninguém precisa chegar na primeira entrevisa com um inglês perfeitíssimo, isso é difícil e eu acho que no geral, as pessoas aqui são bem tolerantes e pacientes, mas quanto melhor seu desempenho e sucesso em expressar o que você está tentando passar, melhor pra você. A primeira impressão é a que fica!

NETWORKING

Esse é um termo muito usado por aqui que se refere a você adquirir conhecimento e conhecer pessoas dentro da sua área de atuação. Participar de feiras de emprego e eventos na sua área e mesmo amizades (não somente com brasileiros) podem contribuir para expandir o seu contato com o mercado.
Pesquisar on-line sobre empresas alvo e lá, que pessoa em específico está lidando com contratações também está no topo da lista de coisas a fazer. É bem visto mandar o currículo diretamente para a pessoa que está buscando candidatos, ao invês de somente mandar para o email geral da empresa (que pode nem cair nas mão certas) ou você já ter demonstrado a intenção de trabalhar com determinada empresa pra um funcionário que pode vir a te indicar. Nem sempre é fácil obter informações como estas, mas networking ajuda, com certeza.
Networking tem muito a ver com sair da zona de conforto, pra muita gente, tanto pela barreira da língua como em buscar ligações profissionais que nem sempre tem um ponto óbvio de partida.

CURRÍCULO

Me lembro que ainda no Brasil, eu costumava colocar tudo, mas tudo mesmo que eu já havia feito, tanto profissionalmente, como cursos que tivessem base de conhecimento, mesmo não sendo mais tão relevantes (tipo eu colocava que tinha curso de datilografia!!!).
Obviamente nem preciso dizer que seu currículo deve ser escrito em inglês e/ou francês (ou até ser bilíngue, dependendo do caso).

No Canadá, tanto o método de aplicar para uma vaga de emprego quanto a estrutura do currículo (aqui chamados de resume) são um tanto diferentes dos praticados no Brasil (lembrando, só para ficar claro, que eu não sou expert no assunto, tão pouco trabalho com isso, aqui vai minha mera opinião, baseada nas minhas experiências).
1. Os currículos devem ser focados para cada vaga em específico. Significando que é recomendado montar um currículo base e ajustar focando nos requisitos da cada vaga em particular – toda vez!
Tal coisa pode não ser relevante para aquela vaga x, mas para vaga y, pode ser vital. Aí começa a trabalheira de ler muito bem os pré-requisitos de cada vaga de emprego e decidir o que, dentro das suas experiências, deve aparecer ou não.

2. Currículo bom é currículo enxuto, claro e simples. Há estatísticas aqui de que currículos muito extensos e visualmente poluídos perdem o interesse do avaliador com mais facilidade (ou somente a pessoa não tem tempo de ler e entender tudo), portanto já começa aí a importância de filtrar as coisas que vão realmente aparecer e tem importância para seu currículo com relação àquela específica vaga.
Claro, que se você tem inúmeras qualificações e tudo ser extremamente relevante para a vaga que você está aplicando, daí não imagio ser um problma ter 3 ou 4 páginas. Aí vai o bom senso.
Não se coloca, geralmente, cursos que você fez que não tenham nada a ver com a vaga ou que sejam totalmente irrelevantes (tipo: estou aplicando para uma vaga de desenvolvedor JAVA, mas já fiz curso de modelagem 3D no passado).

3. Não há necessidade de colocar muitos dados pessoais, somente seu nome e informações para contato (tipo telefone e email) – a menos claro, que requisitado. Não se coloca data de nascimento, estado civil, sexo ou número do passaporte, foto etc.

4. Meio desconhecida pelo mercado de trabalho brasileiro, a cover letter é algo muito popular por aqui. Ela é enviada, geralmente, junto com o currículo e basicamente é uma cartinha de apresentação, escrita para cada vaga em específico (claro, você pode ter um padrão e ajustar o nome da empresa ou da pessoa para qual você está enviando e os detalhes dos pre-requisitos que você se encaixa).
Pode constar um pouco do seu background, ou seja, da onde você vem, qual sua graduação e área de atuação, seu tipo de visto no Canadá (ou sua intenção de conseguir um), suas aspirações, mas principalmente, serve para você relatar porque você é um bom candidato para aquela vaga e dever ser considerado para uma entrevista.
É coisa de uma página só e poucos parágrafos e geralmente tem um tom formal e respeitoso (e importantíssimo: sem nenhum erro gramatical ou de digitação!).
Acho também importante citar na cover letter, as habilidades citadas na descrição da vaga que tem relação com seu perfil profissional no momento.
5. Na área de arquitetura e design, ou seja, que demonstrem habilidades não só intelectuais, mas também gráficas, é bem interessante ter um portifólio montado e ter disponível tanto digitalmente como trazer impresso nas entrevistas.

ENTREVISTA

Quando você tiver a sorte de ser chamado para uma entrevista, há grandes chances desta primeira ser por telefone, então pratique e se sinta confortável em ouvir o inglês (e/ou francês) do outro lado da linha. Algumas vezes, as segundas entrevistas também podem ser por telefone, porém com alguém mais específico dentro da empresa em questão.
Também pode ser pessoalmente e é importante ser pontual, estar vestido de maneira adequada (mostrando um pouco da sua personalidade, mas acima de tudo, profissionalismo e adequação pela vaga em questão).
É super importante estar preparado para algumas perguntas-chave, que geralmente rolam por aqui, de forma geral, as entrevistas tem um tom bem profissional (não quer dizer frio), significando que não se fala muito (ou nada) da vida pessoal. Eu diria que algumas das perguntas padrão são:

– Fale um pouco sobre você. (aí você deve focar em você como profissional e não como imigrante/pai/mãe/namorado/esportista).
– Descreva um projeto/evento/trabalho que você teve que lidar com uma crise (tanto pessoal ou de fundo prático) e como você resolveu.
– Fale sobre 2 pontos positivos e 2 pontos negativos sobre você (novamente, profissionalmente);
– Por que você se considera um bom candidato para essa vaga?
– Como você se vê, profissionalmente, em 5 anos?
Diego, que além de muitas outras coisas, participa de algumas entrevistas para cargos relacionados com a prática que ele gerencia dentro da empresa que ele trabalha, me salientou alguns pontos importantes na hora de uma entrevista:

– Esteja sempre preparado para a entrevista, ou seja, saiba dos principais quesitos requisitados e esteja preparado para falar sobre eles.
– Se infome sobre a empresa em questão, se intere do que fazem (além do óbvio), que clientes já tiveram ou estão lidando, que tipos de projetos etc.
– Tenha no mínimo duas perguntas para fazer ao entrevistador sobre a empresa, sobre com o que você irá trabalhar, metodologias etc.
– Nunca pergunte sobre salário, jornada, férias, benefícios etc, na primeira entrevista (mesmo isso sendo bem importante para qualquer canditado, eu sei).

Outra coisa é estar ciente de que você vai ser perguntado sobre questões técnicas, em princípio genericamente, mas ao longo das entrevistas, de forma mais específica (exemplo, na área de arquitetura, se você demonstrou no currículo que tem conhecimento com 3D, eles talvez vão te perguntar que sofware você usa e quanto tempo leva para fazer tal coisa, qual é a qualidade etc. Na área de TI, se você demonstrou ser fluente em alguma linguagem, eles vão tentar entender qual é o seu nível e sua flexibilidade).
Há também casos, e já aconteceu comigo, que tive que provar meu conhecimento de modo prático, sentando na frente do computador criando algo num determinado software. Então pode ser algo que seja exigido na sua área de atuação (podendo você ser avisado previamente ou não – no meu caso não tinha sido).
No evento de uma entrevista, muitas vezes, você vai precisar prestar informação de empregadores antigos que possam passar referência do seu perfil como empregado. Você pode indicar o método de contato (telefone ou email), claro, deve avisar as pessoas em questão que talvez sejam contactadas.
As empresas não ligam para avisar que você NÃO foi selecionado e só contactam os candidatos que vão ser efetivados (ou que passaram para um próximo nível de entrevistas).

VÍNCULOS E DIREITOS

Uma vez empregado, yay, que alívio!!
Não há carteira de trabalho no Canadá, porém você vai ter que preencher algumas informações pessoais, como endereço e o seu SIN (Social Security Number) que equivale ao CPF do Brasil. Pelo o SIN, o governo vai saber que você está empregado e você vai começar a contar com os benefícios governamentais (tipo seguro-desemprego, licença maternidade etc) e contribuir com os impostos (yikes!). Cada um com suas regras, mas não vou entrar em detalhes desta vez.
Os salários são geralmente estipulados de forma anual (tipo você vai começar ganhando 30 mil dólares canadenses por ano/bruto e não quanto você vai ganhar por mês) e os pagamentos podem ser feitos a cada 15 dias (bi-weekly) ou mensais (monthly). A típica jornada semanal é de 40 horas e não há décimo terceiro salário no fim do ano, o que pode ter é um bônus, mas são casos específicos e não é uma regra para a maioria das empresas.
Você terá também que negociar ou simplesmente tomar conhecimento de quantas semanas de férias você tem direito (geralmente começa com 10 dias úteis + feriados oficiais) e se a empresa oferece plano de saúde para os funcionários, que cobre coisas extras que o governo canadense não cobre. Algumas empresas também proporcionam alguns dias por ano de sick day, reservados para aqueles dias que você está doente (não conta quando você precisa ir ao médico ou seu filho está doente e você tem que ficar em casa cuidando).
No caso de você ter achado um emprego melhor em alguns meses (ou anos), não tem muita burocracia, somente avisar seu superior e combinar quantas semanas de aviso-prévio.

PERFIL

Deixo por último minha opinião sincera quanto às boas intenções como candidato a emprego no Canadá. Apesar de algumas áreas estarem com demanda alta, não vejo vantagem em usar da má índole na hora de procurar emprego por aqui. Em outras palavras, não minta sobre suas qualificações e experiências ou sobre suas possibilidades e fatores legais, pois mais cedo ou mais tarde, a verdade virá á tona.
Não vejo espaço para aquele perjorativo “jeitinho brasileiro” por aqui. Aquele de burlar só um pouquinho a regra, passar alguém pra traz, tirar vantagem para benefício próprio. Na maioria dos casos, tudo é preto no branco, as pessoas confiam e prezam muito pela honestidade e tipicamente não contratam pessoas que estão aqui com visto de turista.
Acho que a vantagem de brasileiros no mercado daqui é que no Brasil as coisas são geralmente muito competitivas e nos dá a qualidade positiva de ter uma certa visão mais ampla para resolver problemas e ver alternativas diferenciadas e digamos, se virar nos 30 mesmo (porém, legalmente).
***

Ufa, falei bastante! Espero ter tocado os pontos principais, mas tenho certeza que tem muitas outras coisas que se pode considerar. Se tiverem dúvidas, deixem nos comentários, que tentarei responder (mais de modo genérico, não tanto específico).

Beijos e até o próximo!

9 Comments

  • Jonathas Araújo

    Amei de mais esse post, Adriane!! <3 Muitas coisas interessantes que eu precisava saber. Engraçado que eu faço arquitetura e meu marido é da TI. Nos inspiramos na sua história e vamos lutar pra chegar lá! Beijos and many thanks!

    • Paloma Incer

      Oi! Obrigada pelas dicas. Também sou arquiteta e atuei em projetos comerciais durante algum tempo. Mas hoje em dia faço um trabalho mais burocrático, pois sou funcionária pública. Você acha que estar algum tempo fora da área é um impeditivo muito grande pra conseguir um emprego por aí? Morar no Canada é um sonho meu e de meu marido e estamos trabalhando para isso. Muito obrigada!

    • Adriane Jungues

      OLÁ Paloma,

      Acho que vc voltar para a carreira de arquitetura é sempre possível, mas eles vão requerer que vc demonstre estar up-to-date nos seus conhecimentos quando for em entrevistas. Tipo terá que explicar/provar que você ainda apta a desempenhar tarefas relacionadas com arquitetura…
      Boa sorte!

      Adri

  • Adriane Jungues

    Oi Paloma, não acho ser algo negativo não. Sua experiência como funcionária pública pode ser seu forte, dependendo muito das vagas que você vá aplicar por aqui (digamos empregos que sejam menos voltados a projeto/desenho e sim, mais voltados a gerência, papelada e processos.
    Boa sorte!
    Adri

  • Unknown

    Oi Adriane.
    Parabéns pelo ótimo post e também pelo excelente blog. Eu e minha esposa descobrimos seu blog e aos poucos estamos tentando ler ele por completo, assim, de antemão te agradecemos por compartilhar este rico conteúdo. Temos nos inspirado em vocês, na família que construíram, agora que faltam poucos passos para sair nosso PR.
    Poderia me tirar uma dúvida? Aliás, mais uma curiosidade. Você conhece algum Engenheiro brasileiro que conseguiu a licença P.Eng? Vi que a tramitação é bem complexa. Sei que não é seu foco, mas estando na área de arquitetura talvez saiba de algum case.
    Um abraço!

    • Adriane Jungues

      Olá! muito obrigada por acompanharem o blog!
      Infelizmente não conheço nenhum engenheiro que fez o processo de validação, mas sei que todo o processo de licença é similar ao de arquitetura. Ou seja, uma trabalheira! hehe
      Abraço!